Congresso vai discutir se IA pode ser inventora de pedido de patente

2024
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No dia 20 de fevereiro de 2024, o deputado federal Júnior Mano (PL-CE) apresentou um projeto de lei para alterar a Lei da Propriedade Industrial (Lei n° 9.279/96 - LPI) e regulamentar a titularidade de invenções geradas por sistemas de inteligência artificial. O Projeto de Lei 303/2024 propõe o acréscimo de um parágrafo ao artigo 6º da LPI, que regulamenta a titularidade de invenções, com a seguinte redação: "No caso de invenções geradas de forma autônoma por sistema de inteligência artificial, a patente poderá ser requerida em nome do sistema de inteligência artificial que tenha criado a invenção, sendo este considerado o inventor e titular dos direitos inerentes à invenção.".

Na justificativa do projeto, o parlamentar menciona o caso DABUS, citando um artigo que compila decisões proferidas em diferentes jurisdições para um pedido de patente apresentado por Stephen Thaler para uma invenção criada por seu sistema de inteligência artificial, chamado DABUS. O parlamentar observa que "embora, em alguns países, os pedidos tenham sido inicialmente rejeitados com base na argumentação de que o inventor precisa ser uma pessoa física, em outros lugares o debate persiste, com argumentos sendo apresentados tanto a favor, quanto contrários à possibilidade de a IA ser listada como inventora".

Nesse contexto, o parlamentar afirna que o projeto visa atualizar a legislação brasileira para a realidade das inovações tecnológicas, eliminando incertezas que possam prejudicar o desenvolvimento nesse campo. A justificativa do projeto de lei traz ainda que "ao permitir que tais sistemas sejam reconhecidos como inventores de patentes, estaremos incentivando a inovação e a pesquisa nesse campo, ao mesmo tempo em que garantimos um sistema jurídico eficaz para proteger os direitos de propriedade intelectual".

Atualmente, na ausência de uma disposição legal que regule as invenções geradas por IA, o INPI rejeita a possibilidade de se indicar um sistema de IA como inventor em um pedido de patente depositado no Brasil. Em 2022, a Diretoria de Patentes, Programas de Computador e Topografias de Circuitos Integrados – DIRPA do INPI consultou Procuradoria Federal Especializada da AGU sobre o pedido DABUS. Os procuradores federais emitiram parecer jurídico (Parecer 24/2022) observando, como premissa, que as normas que regulam a aquisição de direitos de propriedade intelectual "ignor[aram] historicamente a possibilidade de que figuras não humanas, ou máquinas, sejam autores de obras artísticas ou inventos". Nesse sentido, o artigo 6º da LPI está redigido de forma que, segundo os procuradores federais, só se permite que seres humanos sejam nomeados como inventores em pedidos de patente. Em seguida, os procuradores concluem que "no momento, eventuais patentes de invenção desenvolvidas ou geradas por inteligência artificial desafiam o atual sistema de proteção dos direitos da propriedade industrial". Como reflexão, apontam ainda para a "necessidade de que seja elaborada e editada legislação específica que discipline a inventividade desenvolvida por máquinas dotadas de inteligência artificial, o que provavelmente deve ser antecedido pela celebração de tratados internacionais específicos destinados a uniformizar os princípios para a proteção nos ordenamentos nacionais".

O Projeto de Lei 303/2024 fecha essa lacuna na legislação brasileira, embora a redação proposta ainda deixe margem para questionamentos. A LPI também exigirá uma alteração para esclarecer, por exemplo, quem teria o direito de apresentar um pedido para uma invenção gerada por IA. O parágrafo proposto no projeto de lei nada diz sobre isso. Sua parte final ("sendo [o sistema de inteligência artificial] considerado o inventor e proprietário dos direitos decorrentes da invenção") parece indicar que o pedido poderia ser depositado em nome do sistema de IA. Isso está de acordo com o artigo 6º, parágrafo 2º, da LPI, que estabelece que "a patente poderá ser requerida em nome próprio, pelos herdeiros ou sucessores do autor, pelo cessionário ou por aquele a quem a lei ou o contrato de trabalho ou de prestação de serviços determinar que pertença a titularidade".

No entanto, poderá surgir um conflito em casos nos quais a entidade que inventou o sistema de IA é diferente da entidade (empresa ou pessoa) que está tomando as medidas para solicitar um pedido para essa invenção gerada por IA. Emendar a LPI para regular outros aspectos relacionados às invenções geradas por IA ajudaria a diminuir ainda mais as incertezas.

Haverá muitas oportunidades para que isso seja feito. Atualmente, o PL 303/2024 está sob os cuidados da mesa diretora para que seja posteriormente encaminhado às Comissões Permanentes da Câmara dos Deputados. Pelo regimento interno, o presidente da Câmara é quem definirá quais comissão irão discutir o projeto com base em sua relevância temática. Como o Projeto de Lei 303/2024 propõe uma alteração à Lei da Propriedade Industrial, com base no histórico de tramitação das mais recentes propostas legislativas de alteração da LPI, ele provavelmente será enviado à Comissão de Indústria, Comércio e Serviços e à Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação, além da obrigatória submissão à análise da Comissão de Constituição e Justiça.

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